Para carros, motos e caminhões, a alíquota do IPVA varia de acordo com o tipo de veículo. Automóveis de passeio, por exemplo, pagam 4% do seu valor, e as motocicletas, 2%
Por Camila Araujo e Felipe Grinberg | O Globo
Rio de Janeiro — A Reforma Tributária promulgada no fim do ano passado abriu caminho para os estados estenderem a cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) a embarcações e aeronaves. O percentual que consta no projeto de lei previsto para ser votado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) ainda no primeiro semestre é de 4% sobre o valor do bem. E, se for aprovado, o novo tributo deverá injetar nos cofres estadual e municipais R$ 600 milhões por ano.
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| Enseada de Botafogo — Foto: Gabriel de Paiva |
A proposta é de autoria do deputado estadual Luiz Paulo (PSD) e já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. O parlamentar pediu urgência na tramitação. Se sancionado até o fim de setembro, o novo imposto já poderá entrar em vigor em 2025. Mas, antes disso, precisa passar por duas votações no plenário; se deputados apresentarem emendas ao projeto, ele retornará à CCJ.
De acordo com o projeto, haverá isenções. No setor aéreo, não vão pagar o imposto os donos de aeronaves usadas em atividades agrícolas e nem aqueles que prestam serviços a terceiros, a exemplo de companhias e táxis aéreos. Já para o setor naval, embarcações de pessoa jurídica com autorização para prestar serviços de transporte aquaviário, barcos de pesca artesanal ou industrial e plataformas marítimas (como as de petróleo) vão ficar livres da cobrança.
Ainda não existe tabela
Para carros, motos e caminhões, a alíquota do IPVA varia de acordo com o tipo de veículo. Automóveis de passeio, por exemplo, pagam 4% do seu valor, e as motocicletas, 2%. No projeto da Alerj, para os setores aéreo e náutico, a diferença da alíquota será apenas de acordo com o combustível utilizado. A proposta prevê que aviões e barcos que usem combustíveis fósseis paguem 4% de seu valor. Aqueles movidos a energia renovável seriam taxados em 3% por ano.
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| IPVA no ar e mar — Foto: Editoria Arte |
O percentual, segundo a Associação de Construtores de Barcos (Acobar), deveria ser calculado segundo a potência do barco e não pelo tamanho. A entidade tem participado de reuniões para discutir o tema.
— A gente está trabalhando pela cobrança justa. Um barco de 30 pés, com apenas um motor movido a gasolina, não pode pagar o mesmo valor que um com dois motores a diesel e cabines com ar-condicionado. Cobrando da maneira correta, ninguém vai se negar a pagar e não vai gerar prejuízos para a atividade — avalia Eduardo Colunna, presidente da Acobar.
Outra diferença é que, enquanto carros e motos são isentos do imposto ao atingir 15 anos de fabricação, o projeto define que só não pagarão o IPVA as embarcações com mais de 30 anos e as aeronaves com 50 anos ou mais. Se aprovado, o texto precisará ser regulamentado pelo governo estadual, que terá que definir a tabela de estimativa do valor do veículo que será usada.
— Há embarcações e aviões zero quilômetro e usados. Para os novos, é possível aplicar o imposto em cima do valor que está na nota fiscal. Mas, para os usados, não temos a tabela Fipe, como os carros. É um projeto pioneiro que pode servir de balizamento a outros estados. É uma justiça fiscal. Se uma pessoa que tem um carro para trabalhar paga IPVA, quem tem avião executivo e barco de lazer tem que pagar também — diz Luiz Paulo.
Para o professor de Direito Tributário da FGV Rio Gustavo Fossati, o estado deveria aguardar a votação de uma lei complementar federal que deve acontecer ainda neste primeiro semestre no Congresso Nacional. O Ministério da Fazenda deve enviar o projeto em abril. Nesta regulamentação, explica, o ideal seria ter discriminado qual tabela será usada para avaliar os veículos em todo o país.
— Caso o Congresso se mostre inerte, a Constituição prevê que os estados podem legislar para não serem prejudicados. Mas seria interessante ter essa padronização tributária — explica.
Nos próximos meses, um veleiro de R$ 4,5 milhões deve atracar no Iate Clube do Rio, na Urca. O barco foi produzido pelo estaleiro Magma Iates, do carioca Ricardo Carvalho. Para ele, a cobrança pode impactar os negócios e a cadeia econômica da atividade.
— Cada barco gera mais de cinco empregos diretos. Certamente vai impactar a indústria náutica; provavelmente as pessoas vão evitar comprar. Não vejo nexo — diz Carvalho, CEO da empresa.
Diante da possibilidade do novo imposto, a italiana Azimut Yatchs congelou parte dos investimentos dedicados ao crescimento e à expansão da empresa no Brasil.
— Na Itália, após um imposto como este, vimos uma queda de 90% na demanda por embarcações, o que fez quebrar praticamente todos os estaleiros que trabalhavam com o mercado nacional. Depois, a taxação foi cancelada, mas já era tarde — conta Francesco Caputo, CEO da Azimut.
Dados da Capitania dos Portos mostram que o Estado do Rio de Janeiro tem mais de 110 mil embarcações registradas, sendo 34 mil lanchas, 8,6 mil jet skis, 6,6 mil veleiros e 214 iates. Já de acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil, estão registradas e autorizadas 789 aeronaves.
O texto que tramita na Alerj segue o que está na Reforma Tributária, que alterou a Constituição Federal sobre a divisão das receitas de IPVA entre estados e municípios. Parte do novo imposto vai para a cidade de residência do dono do veículo e não para onde o bem foi registrado, como no caso de carros, motos e caminhões. Prefeituras e governos estaduais rateiam meio a meio o arrecadado.
'Se disserem que tem de pagar, a gente vai'
O administrador João Mello Lauer pilota aeronaves há dez anos. Hoje, com um ultraleve do modelo Vans RV-14A, avaliado em R$ 1 milhão, ele aguarda a decisão final sobre a cobrança:
— As coisas têm de ter um preço de tributo. Se disserem que tem de pagar, a gente vai pagar, mas cabe aos órgãos definirem o que deve ser feito.
Presidente do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), Isac Moreno Falcão Santos alerta que os governos precisam redobrar a atenção para evitar tentativas de fraude a partir da nova lei:
— É preciso se preocupar quanto à fiscalização. Com a lei, não se deseja que alguém crie uma pessoa jurídica para fazer um táxi aéreo para si mesmo. Esse tipo de desvio precisa ser combatido.
Durante a pandemia, o mercado náutico no país registrou um expressivo aumento, sobretudo, na busca de embarcações maiores, como iates. Diretora da Boat Show, Thalita Vicentini explica que a tendência é que o mercado se estabilize este ano, já que deve reaquecer a busca por barcos de menor porte. Ela ainda demonstra preocupação com a possível criação do imposto para o setor:
— Taxação em qualquer segmento é um freio. É um valor a somar no momento da escolha do produto e pode refletir no segmento, sobretudo, no de maior valor agregado, que terá maior custo.



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